Rapidamente surgiram reações mais ou menos efusivas, incluindo as de pessoas com alguma experiência de doença mental ou em cuidados de saúde mental, que alegavam sentir que a imagem divulgada pela revista de moda, nesta altura ainda apenas em formato digital, era ofensiva, desatualizada e em nada ajudava no combate ao estigma por que tantos lutam. Além disto, houve também quem considerasse que, com esta capa, a Vogue estaria a promover uma glamourização da loucura que, ao invés de promover o debate e combater a desinformação, acentua ainda mais o distanciamento entre aqueles que sofrem de algum tipo de doença mental e os que não a compreendem.
Além de seguir atentamente o que se escreveu pelas redes sociais, decidi comprar a Vogue para tentar perceber qual era exatamente o ângulo que queriam dar a este assunto e se nos tínhamos apressado, todos, a julgar a revista pela capa. O Editorial começa por esclarecer que o título usado não pretende equiparar a loucura à doença mental, usando o termo no seu sentido lato, com o qual, defendem, todos nos identificamos, especialmente nos dias que correm. Continuando a folhear a revista, encontramos diversos artigos onde a moda e a loucura se cruzam, com títulos como You Drive Me Crazy, Loucas por Compras ou Manic Monday, que retratam looks de passadeira vermelha excêntricos e icónicos, o ritual de compras associado exclusivamente ao género feminino e a insanidade de escolher as peças do guarda-roupa a usar durante a semana. Ora, em contraste, temos alguns artigos em que foram consultados especialistas – psiquiatras, psicólogos e até uma dermatologista, numa linguagem clara e baseada em informação científica sobre assuntos que vão desde o estigma em relação às doenças mentais até aos novos tratamentos com estimulantes e psicadélicos. Num dos artigos, podemos até ler sobre formas de combater o estigma, entre elas a narrativa que escolhemos, sublinhando a importância de não usarmos palavras como louco ou doente “de forma leviana”. Se lemos isto dentro da Vogue, se a edição é tão uniformizada como se vê pela forma como artigos de informação e editoriais fotográficos se entrelaçam harmoniosamente, fica, para mim, por esclarecer, como puderam cair na tentação de estilizar a loucura, de a instrumentalizar e representar como se de algum acessório de moda se tratasse. No entanto, não penso que tenham errado na totalidade da abordagem e alguns dos artigos fazem verdadeiramente um bom trabalho pela literacia em saúde mental. Apesar disto, estes são conteúdos apenas acessíveis a quem compra a revista e não considero que a capa lançada em primeiro lugar ou o título da edição – visíveis a todos - representem a mesma mensagem ou devam ilustrar a conversa que queremos ter sobre saúde mental. Juntos pela Saúde Mental de Todos Nós ManifestaMente, Miriam Garrido Comments are closed.
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Outubro 2024
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