A atual pandemia convoca-nos para uma situação sem precedentes. Além do que acarreta – questões de saúde, medidas de distanciamento e isolamento sociais penosos, problemas socioeconómicos e em alguns casos, processos de luto – ainda traz consigo a incerteza decorrente de ser novidade, da ciência estar a estudar o vírus e a doença associada ao mesmo tempo que os enfrentamos e de nos obrigar a mudanças rápidas com consequências ainda desconhecidas. A APA (American Psychological Association) define a incerteza como “o estado ou a condição na qual algo (ex., a probabilidade de um determinado resultado) não é conhecido com precisão ou de forma acurada”. Estranhamente, na fase de confinamento, sabíamos o que fazer, as instruções eram claras e bastante restritivas, mas sabíamos qual era a zona em que estávamos em segurança – em casa. Também, a limitação de liberdade encurtava as opções disponíveis, o que fazia desta fase algo semelhante ao que em psicologia se denomina como uma “zona de conforto”. As zonas de conforto não têm necessariamente de ser locais ou situações onde nos sentimos bem. Brené Brown define a zona de conforto como aquele local onde a incerteza, a escassez e a vulnerabilidade são mínimas, ou seja, “um território onde acreditamos ter algum controlo.” Assim, para alguns de nós, esta fase de desconfinamento será semelhante a abandonar esta nova “zona de conforto” face à ameaça de doença. Se por um lado a situação de pandemia em Portugal está, felizmente, a ter uma evolução controlada, por outro, esta fase de desconfinamento, ou seja, de retorno gradual às atividades anteriores à COVID-19 e em direção a uma nova “normalidade” sem sabermos muito bem qual será, pode levar-nos a responder à incerteza com medo, desconfiança, ansiedade e stress. Estas respostas parecem não ter em conta que a incerteza está sempre presente na nossa vida e que, mesmo quando bem informados, as nossas limitações em relação a prever as consequências das nossas decisões e ações, levam a que tenhamos sempre ao nosso lado o desconhecido e o imponderável. Na atual situação, à nossa dificuldade em prever como será a vida daqui para a frente, junta-se a interdependência, a ausência de controlo sobre fenómenos naturais e sobre o comportamento do outro. Assim, associada à incerteza há a noção de perigo, o que pode nos levar a medos irracionais e a criar cenários irrealisticamente pessimistas. A nossa incapacidade para lidar com a incerteza também pode levar a sentimentos de derrota e de impotência, o que nos torna mais vulneráveis a estados depressivos.
Existem várias abordagens usadas quando temos dificuldade em lidar com a incerteza. No caso específico desta situação de pandemia, iremos destacar duas. Uma das técnicas consiste em modificar as nossas crenças em relação àquilo que tememos:
Outra abordagem possível compreende exercícios de aceitação e mindfulness. Tornar-se mais presente no momento e aceitar a sua experiência atual, isto é, ser mais consciente no aqui e no agora, pode ajudar. O exercício de mindulness pode ser feito no nosso quotidiano, sem necessitar de rituais elaborados e compreende três etapas:
Por último, também ajudará a adquirir alguma segurança e a recuperar algum controlo manter algumas das recomendações da fase de confinamento, em que aprendemos e adquirimos comportamentos que continuam a fazer sentido:
Contudo, se continuar a sentir que a situação ultrapassa a sua capacidade de enfrentá-la, não hesite em pedir ajuda. Mesmo nesta situação, os médicos de família estão disponíveis e há uma ampla oferta de serviços clínicos de saúde mental à distância. Ainda não sabemos exatamente como vai ser o mundo pós-COVID. Aliás, nem sabemos se haverá um mundo muito diferente daquele a que nos habituámos. No entanto, as aprendizagens adquiridas serão úteis, sendo a mais importante aquela que nos ensina a não dar como garantido aquilo que mais valorizamos na vida. Ou seja, a aprendizagem de que a incerteza é a coisa mais certa na vida. Juntos pela saúde mental de todos nós, ManifestaMente, Raquel Monteiro Fontes The Conversation Psychology Today Huffington Post Comments are closed.
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Outubro 2024
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