(Nota prévia: este artigo contém informações detalhadas/”spoilers” sobre os últimos episódios da série “Beef”)
Na recente série “Beef”, ou na sua versão portuguesa “A Rixa”, é retratada a história de um conflito no trânsito entre duas pessoas, Amy e Danny, que escala rapidamente para uma sequência de atos de vingança entre eles. Embora as vidas de ambos pareçam muito diferentes, ambos têm em comum a ascendência coreana e o facto de viverem em Los Angeles, onde tentam vencer na vida. Esta briga contínua parece, aos olhos dos dois, uma forma de conseguir lidar com o verdadeiro conflito que existe internamente e, inicialmente, até leva a crer que os está a ajudar a resolver o que precisam de resolver, mas rapidamente se compreende que é um mecanismo prejudicial, com consequências graves na vida dos próprios, mas também dos que os rodeiam. Numa das teorias ancestrais da psicologia, a depressão é vista como uma forma de raiva, canalizada para dentro e talvez o inverso também possa ser inferido: a raiva, tão presente nesta série, como uma forma de tristeza canalizada para fora. Na verdade, são vários os sinais, ao longo dos diferentes episódios, de que ambas as personagens principais vivem momentos de turbulência e tristeza profundas. Danny tinha, no dia da rixa que motiva todo o enredo, decidido devolver uma quantidade de grelhadores que ia usar para se suicidar e Amy, apesar de viver uma aparente vida de sucesso, luta com sentimentos de solidão, dúvida e falta de propósito, simbolizados por uma imagem escura de ramos e folhas secas, que surge em vários momentos ao longo da série e reaparece no último episódio. O episódio final intitula-se “Figures of light”, ou em português “Figuras de luz”, e abre com o mergulhar do carro por um penhasco abaixo num cenário algo idílico, prometendo desde logo que algo de transformador e belo se avista. Danny e Amy começam por se insultar e atacar, até que Amy é impedida de disparar contra Danny por um corvo. As acusações sobre as suas atitudes continuam por um longo período, mas a sobrevivência obriga-os a juntar-se e a depender um do outro. Inicialmente ainda sob uma postura muito defensiva, Danny admite que se encontrava a passar um momento difícil aquando do primeiro confronto entre os dois. Nesta sequência, colhem e ingerem umas bagas que desconhecem, mas que se vem a revelar terem propriedades psicadélicas. A viagem começa pela metamorfose simbólica da imagem da pistola num ramo, sem força para agredir o outro. A noção do tempo e do espaço perde-se progressivamente em conjunto com o self, mas a noção da partilha da mesma desordem interna vai-se tornando mais clara, até que ambos se fundem e passamos a ouvir os pensamentos de Danny na voz e corpo de Amy e vice-versa. Os efeitos dos psicadélicos intensificam-se por ciclos e, no decorrer da experiência, há uma abertura à comunicação honesta dos dois, admitindo pensamentos de menos-valia e culpa, ideias de suicídio, tristeza, dificuldade em ser feliz, solidão e sensação de vazio, que ambos partilham, um “vazio sólido”, como ambos reconhecem. Neste ponto, a compreensão e conexão entre os dois transcende ao nível do cruzamento dos egos, embaciando os limites entre os discursos de um e do outro, tornando-os num só. O processo terapêutico de catarse encerra com a sensação de aceitação e reconciliação dos dois, mas de uma maneira especial com os próprios. Este artigo foi inspirado no artigo da psicóloga Erin Qualey, publicado no LA Times a 10 de abril de 2023: How the ‘Beef’ finale uses a surreal trip to confront depression and find connection Juntos pela Saúde Mental de Todos Nós ManifestaMente, Miriam Garrido e Rebeca Cohen Os comentários estão fechados.
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Março 2025
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