Os psicadélicos não são substâncias novas nem recentemente descobertas. Algumas, como a psilocibina, encontrada em várias espécies de cogumelos, a mescalina, extraída de um cato abundante na América do Sul ou o DMT (dimetiltriptamina), presente na bebida ayahuasca, uma infusão feita com uma mistura de várias plantas, são usadas há séculos em cerimónias ou rituais de várias comunidades indígenas. Outras substâncias psicadélicas, como o LSD ou o MDMA, foram sintetizadas em laboratório. Em 1938, Albert Hoffman, um químico suíço a trabalhar para uma conhecida empresa farmacêutica, tentava descobrir uma substância que ajudasse a parar hemorragias e chegou, depois de várias tentativas, ao que agora conhecemos por LSD - ou dietilamida do ácido lisérgico. Anos mais tarde, Hoffman descobriu os seus efeitos psicoativos ao ingerir, de forma acidental, uma grande quantidade, tendo sido o primeiro a descrever os seus efeitos. É nesta altura que as substâncias psicadélicas começam a ser investigadas para tratamento de várias condições de saúde mental. A partir da década de 50, primeiro na Europa e depois nos EUA, foram realizadas dezenas de estudos sobre os efeitos terapêuticos do LSD, que se revelaram promissores. A par do uso na psiquiatria, o uso recreativo cresceu exponencialmente e, com ele, um número crescente de políticas determinadas a acabar com o seu consumo - a chamada War on Drugs. Foi então proibido todo o uso de substâncias psicadélicas, incluindo o uso terapêutico e em investigação, que, contudo, se manteve nas décadas seguintes. Foi no virar do século que a investigação com psicadélicos voltou a levantar voo e, nos últimos anos, esta tem sido alvo de interesse e curiosidade, não só pela comunidade científica como pelo público em geral.
Apesar de diferentes, as substâncias psicadélicas têm em comum a forma como atuam: criam um estado alterado de consciência, em que é possível percecionar o mundo, pensamentos, emoções e ideias sobre o próprio de forma diferente, ativando um conjunto de mecanismos neurobiológicos - envolvendo neurotransmissores, recetores e vias de comunicação entre redes neuronais - que induzem um estado de enorme plasticidade, equivalente àquele que as crianças têm ao seu dispor, quando começam a descobrir e a experienciar o mundo. Esta janela de “flexibilidade cerebral” criada pela experiência psicadélica permite uma maior abertura aos mecanismos terapêuticos da psicoterapia - daí o modelo atualmente mais estudado de Terapia Assistida por Psicadélicos. Assim, pensa-se que os psicadélicos não vêm substituir os medicamentos que usamos hoje em dia nem dispensar a psicoterapia. Virão, se a investigação continuar a mostrar resultados positivos e forem aprovados, representar um complemento ou um potenciador da psicoterapia. Em Portugal, além de várias instituições privadas, é possível ter acesso a este tratamento em caso de Depressão Resistente, em dois hospitais do SNS: o Hospital Beatriz Ângelo e o Hospital Júlio de Matos (Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa). Se é verdade que nos últimos anos o debate sobre o uso terapêutico de psicadélicos se tem adensado, a par da investigação que sofreu um crescimento exponencial, também o é que estas substâncias continuam a evocar memórias dos anos 60, em que o seu uso não regulado levou a alguns incidentes. Assim, tal como temos feito na Saúde Mental, é preciso desbravar o estigma com informação fidedigna e de qualidade, deixando de lado receios infundados e abrindo as portas ao potencial do uso terapêutico dos psicadélicos. Juntos pela Saúde Mental de Todos Nós, ManifestaMente, Miriam Garrido Comments are closed.
|
Categorias
Tudo
Histórico
Outubro 2024
|