Reflexões da nossa Presidente no segundo aniversário da ManifestaMente

Sou uma privilegiada. Nunca na minha vida tive deme preocupar se ia ter comida ou abrigo do mau tempo para dormir. Nunca tive medo de sair à rua ou me preocupei se a minha casa poderia ser destruída a qualquer momento por uma bomba. Tive acesso a educação superior e nunca deixei de dizer fosse o que fosse por medo de ser presa. Isto para mim significa que tenho a responsabilidade de ajudar a criar um mundo melhor para todos nós e para quem não teve tanta sorte como eu.

E não faltam coisas no mundo a precisar de quem ponha mãos à obra, desde o ambiente às questões humanitárias. Eu escolhi a saúde mental para investir o meu tempo e energia, porque a saúde mental está na base de tudo. Precisamos de estar bem para termos o espaço mental que nos permita cuidarmos de outras coisas e outras pessoas. Precisamos de saúde mental para podermos ser produtivos no nosso trabalho e nas atividades que criam um mundo melhor. Precisamos de saúde mental para estabelecermos relações saudáveis e criarmos os nossos filhos da melhor forma, para que eles possam também ser produtivos no seu trabalho e nas atividades que criam um mundo melhor. Por isso, para mim, ajudar a criar um mundo melhor passa por melhorar a saúde mental de todos nós.

Participei na criação da ManifestaMente desde o dia zero, quando não era mais do que uma ideia vaga a pairar em cima de uma mesa de café da Gulbenkian, na Primavera de 2017 - lembras-te, Débora? Na altura não éramos mais do que duas sonhadoras, ambas com um vasto currículo de projetos falhados como a maioria dos empreendedores, animadas da teimosia e da sede de fazermos melhor. Como é que entretanto a ManifestaMente singrou e cresceu como cresceu, é coisa que ainda hoje me surpreende. Quando penso nos porquês, sou novamente obrigada a render-me às evidências da sorte que recebemos.

Ainda assim não deixo de me orgulhar de algumas coisas que acredito termos feito bem. Preocupámo-nos desde o início em falar de maneira descontraída, autêntica, informal. Como técnicos de saúde, muitas vezes nem nos apercebemos como o nosso discurso cheio de palavrões técnicos exclui o resto da sociedade de participar na conversa connosco. Suspeito que a adesão e recetividade que a  ManifestaMente tem tido, tem muito a ver com esta nossa maneira de comunicar.

Orgulho-me da coerência com que cuidamos da saúde mental de todos nós, porque esse cuidado não se esgotou nas iniciativas que fomos desenvolvendo e anunciando publicamente. Tem-se estendido equipa adentro nos momentos em que alguém diz que está de rastos, que não consegue continuar a fazer o que estava a fazer, que tem o coração consumido por outras preocupações e precisa de ajuda. Tendo eu crescido, como o resto de nós, numa sociedade em que não é particularmente bem-vindo confessar que estamos a sofrer, em que aprendemos muito cedo a ‘fingir que está tudo bem’, para mim poder ser autêntica sobre o que estou a sentir e a precisar no meu local de trabalho é um bálsamo. E uma promessa inspiradora e muito entusiasmante da possibilidade de um futuro melhor para nós, enquanto humanidade.

Também suspeito que é por isso - esta maneira de trabalhar em que procuramos estar inteiros e cuidar das nossas necessidades de forma autêntica - que temos tanta gente a oferecer, com tanta generosidade, o seu tempo e energia para construir a ManifestaMente - sim, porque só em 2020 é que a ManifestaMente recebeu pela primeira vez um apoio financeiro (obrigada mais uma vez ao Programa Nacional  para a Saúde Mental e Direção-Geral da Saúde), até aí tudo o que foi feito na ManifestaMente foi voluntário. E, numa grande medida, grande parte continua a ser. Também reconheço que a nossa felicidade se alimenta muito do significado das coisas que fazemos, e pôr os nossos talentos e competências ao serviço de algo maior, como a saúde mental de todos nós, alimenta o nosso sentido de significado. Sintam-se convidados a juntarem-se a nós como voluntários ou contribuir com um donativo - bem precisamos e não nos faltam ideias para pôr em prática!

Também me orgulho de sermos uma equipa feita de várias áreas profissionais, ligadas à saúde mental e à saúde de um modo geral, mas não só. Quando os artistas, os engenheiros, os jornalistas, os professores, os juristas, os empreendedores e pessoas de muitas outras áreas profissionais começaram a preocupar-se e dedicar-se às questões do ambiente, assistimos a uma avalanche de ideias criativas e soluções inovadoras para dar resposta aos problemas que enfrentamos a esse nível. Queridos artistas, engenheiros, jornalistas, professores, juristas, empreendedores e pessoas de todas as outras áreas profissionais, a saúde mental também está a precisar de vocês. Se me estão a ler neste momento e a pensar que são vocês precisamente a excepção e que não têm nada para dar, deixem-me dizer-vos que, pelo contrário, é provavelmente convosco que está a perspetiva que ainda ninguém conseguiu encontrar sobre a saúde mental, a visão disruptiva que nos falta.

E um grande obrigada a todos vocês que já estão a contribuir para melhorar a saúde mental de todos nós, mesmo que ainda não tenham reparado nisso. Obrigada por aquele telefonema ao amigo que estava mesmo a precisar, obrigada por terem partilhado aquele artigo tão importante sobre este tema, obrigada por revelarem ao vosso colega que também já passaram por dificuldades e não há vergonha nenhuma nisso, obrigada por estarem a ler sobre este assunto e se disponibilizaram para aprender mais sobre ele.  

No dia 10 de Outubro de 2020, dia mundial da saúde mental, faz dois anos desde que nos lançámos - nós e o nosso website - publicamente para o mundo. Desde então temos escrito todos os meses sobre saúde mental no nosso blog e na nossa newsletter, reunido pessoas de todas as áreas profissionais para procurar soluções novas, feito várias sessões públicas do kit básico de saúde mental ao vivo, recebemos apoio do Programa Nacional para a Saúde Mental da DGS para expandir o alcance deste curso, e ainda reformulámos todo o projeto de uma ponta à outra para nos adaptarmos à nova realidade COVID. Comemorámos tudo isto com o lançamento do Kit Básico de Saúde Mental Online, que fala de saúde e de doença mental, do que podemos fazer quando não nos sentimos bem, onde procurar ajuda e como podemos ajudar as pessoas de quem gostamos quando elas se vão abaixo - coisas essenciais que todos nós devíamos saber para vivermos bem.

‘Juntos pela Saúde Mental de Todos Nós’ não é só um lema. Temos mesmo o poder de melhorar a nossa saúde mental e a das pessoas à nossa volta. Conheçam o kit para saber como e não deixem de completar o curso e de o divulgar a quem precisa.


Um grande obrigada a todos por estas construções bonitas que temos feito juntos. Venham mais!
Ana Mina, Presidente da ManifestaMente