A Who Cares nasceu precisamente com o propósito de relembrar a importância da saúde mental a esta população, que muitas vezes sofre em silêncio pelo estigma associado.
Após análise de artigos científicos sobre o tema (ex., Jacob et al., 2020), onde os estudantes de medicina surgem associados a altas taxas de sintomas depressivos, burnout e ideação suicida, fomos perceber se o mesmo acontecia com a nossa população. Duzentos e quatro médicos e médicas e estudantes do 6º ano de medicina responderam a um questionário que criámos e a suspeita confirmou-se: a maioria reportou que a preparação para a PNA afetou a sua saúde mental, com altos níveis de ansiedade e de impacto nas relações pessoais (para saber mais, visitem a nossa página do instagram @whocares.pna). Ainda mais preocupante , foi verificar que 26% dos questionados e das questionadas pensaram em morte ou suicídio ao longo do estudo, dados que estão de acordo com a literatura internacional(Dyrbye et al., 2008; Lebares et al., 2017).Com estes números vamos ficar à espera que aconteça um desastre para começar a fazer algo? Neste momento, embora, de facto, a Who Cares tenha começado com o foco exclusivo nos que se preparavam para a PNA, já acompanhamos alguns alunos e alunas de outros anos e também médico e médicas que fizeram o exame e sentiram necessidade deste acompanhamento psicológico para lidar com o “pós”. Não nos fez sentido, querendo cuidar de quem vai cuidar, fazer um corte no acesso a este serviço quando requerido. O período pós-exame parece ser especialmente sensível e, para algumas pessoas, tabu, o que naturalmente aumenta o sofrimento e o sentimento de isolamento - mesmo quando se tem uma boa rede de apoio. Recentemente, esta tem sido (mais) uma conversa que queremos fazer fluir de forma natural. Infelizmente, há muitas variáveis no dia D e, como a receita para o sucesso está longe de ser apenas “estudar muito”, é frequente emergirem sentimentos de frustração e/ou impotência perante um resultado que, para muitos e muitas “não se percebe”. Em consulta, ouvem-se comentários como “Eu não sei o que fazer mais!”, ou “Eu acho que não conseguiria ter feito melhor! Portanto vou repetir para quê?!”, ou “Sei de pessoas que estudaram muito menos e tiraram melhor nota e outras que estudaram mais e tiraram pior, por isso eu não percebo”. Ao nível dos motivos de pedido de consulta, é frequente terem a ver com o exame - ou, como referimos agora, com este pós-exame e incerteza em relação ao mesmo. Mas, muitas vezes, fica claro que a principal dificuldade durante um ano tão duro nem sempre é o exame per se, mas sim a gestão de “tudo”: tempo, relações, conflitos, luto, entre outros. Coisas que existiriam mesmo que não houvesse o exame, mas que, com ele, são exacerbadas ou, dependendo da situação, mais difíceis de gerir. Há uma clara pressão para se ser um(a) malabarista profissional este ano: para se conseguir aguentar todas as bolas no ar, sem deixar cair e a sorrir. Mas isto não é humanamente possível. Vai haver dias em que o sorriso não existe, ou em que uma bola cai, ou duas, mas, se calhar, o sorriso se mantém. O que nós pretendemos é, precisamente, ajudar neste equilíbrio (desequilibrado) ao longo do tempo, para que não seja um exercício tão difícil e exigente. Não somos “negacionistas” da exigência do exame, da necessidade de estudar para ter bons resultados - ainda que cada pessoa seja livre de escolher o objetivo por que quer (ou não) trabalhar -, de momentos especialmente difíceis nesta gestão do dia a dia, com tese, estágio, estudo, aulas de academias (e a restante vida!), nem negamos a importância da nota no processo de escolha da especialidade. No entanto, acreditamos que a nota poderá não ser a desejada se, tal como muitos estudos indicam, houver elevados níveis de stress no dia do exame (Antunes, 2019;), ou um estado de cansaço extremo e eventualmente de burnout. Tem sido visível a importância do trabalho que temos realizado, não só para o modo como os/as estudantes e médicos e médicas encaram o dia do exame, mas também para a sua transição para a vida profissional. Há que lembrar que são jovens que, menos de dois meses depois de realizar um exame tão importante e que exige um desgaste, físico e mental, considerável, entram no nosso SNS. Como disse Michael Phelps recentemente “If we’re not taking care of ourselves how are we supposed to take care of others?”. Tic-toc. Outra vez o raio do relógio a chamar a ansiedade. Já que não o podemos abrandar, que tal torná- lo menos ruidoso? Juntos pela Saúde Mental de Todos Nós ManifestaMente, Carolina Oliveira e Francisco Marques Referências: Antunes, A. P. (2019). Stress, Bem-estar físico e mental e Resultados académicos dos estudantes de Medicina da Universidade da Beira Interior [Master dissertation, Universidade da Beira Interior]. FCS – DCM | Dissertações de Mestrado e Teses de Doutoramento. https://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/8756/1/6896_14698.pdf Jacob R, Li Tsz-yan, Martin Z, Burren A, Watson P, Kant R, et al. Taking care of our future doctors: a service evaluation of a medical student mental health service. BMC Medical Education. 2020;20:172. Sohail, N. Stress and Academic Performance Among Medical Students. Journal of the College of Physicians and Surgeons Pakistan 2013, 23 (1): 67-71 ****Lebares CC, Guvva EV, Ascher NL, O’Sullivan PS, Harris HW, Epel ES, Burnout and Stress among US Surgery Residents: Psychological Distress and Resilience, Journal of the American College of Surgeons (2017), doi: 10.1016/j.jamcollsurg.2017.10.010. Dyrbye LN, Thomas MR, Massje FS, Power DV, Eacker A, Harper W, et al. Burnout and suicidal ideation among US medical students. Ann Intern Med 2008; 149:334-41. doi:10.7326/0003-4819-149-5-200809020-00008 Comments are closed.
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