Falar demais – e de repente deixar de falar
Quem não enviou ou recebeu uma mensagem que dissesse “já viste?” ou “coitado”? Durante dias reinaram a incredulidade, os obituários e as homenagens nas redes sociais. Muitos aproveitaram – e bem – para sensibilizar a população sobre a importância da saúde mental. No entanto, a avaliar pelos mesmos canais que tanto influenciam a opinião pública, o assunto caiu no esquecimento. Falou-se na importância de falar mais, de não deixar nada por dizer e de nos preocuparmos com quem nos é próximo, perguntando como se sentem. Agora perguntemo-nos honestamente: quando foi a última vez que perguntámos ao nosso irmão, amigo, colega, pai, filho como se sentem? Se não o fizermos, voltamos, perigosamente, ao silêncio; o mesmo silêncio que aguça a dor de quem a sente sozinho. 2. Publicar notícias perigosas – e clicar nelas Como ex-jornalista, perante este episódio tive vergonha da profissão que ainda me é tão próxima. Na faculdade estudamos que a amplitude, frequência, negatividade e caráter inesperado são valores-notícia, isto é, dão a um determinado assunto relevância jornalística. Mas também aprendemos que reportar mortes por suicídio vai contra o Código Deontológico do Jornalista e até as recomendações da Organização Mundial de Saúde. Neste caso, o valor-notícia da morte inesperada de uma figura pública (sobretudo se aparentemente feliz) sobrepôs-se ao não valor-notícia de uma morte por suicídio. Pode argumentar-se que noticiar um suicídio específico seja do interesse público, mas isso deixa de ser verdade ao veicular informação que possa ter um efeito adverso na população. Afinal, é do interesse público publicar detalhes sobre o método utilizado? Pelo contrário: noticiar mortes por suicídio pode significar o gatilho para quem estiver em sofrimento ou a contemplar o suicídio – também conhecido por fenómeno de mimetização. É certo que, normalmente, só os meios de comunicação social mais sensacionalistas publicam estes detalhes. No entanto, esses meios só ganham terreno se a sua informação for consumida. Apelamos a todos que pensem duas vezes antes de partilharem ou mesmo clicarem numa notícia que possa estar a propagar informação perigosa. 3. Procurar uma razão – e desvalorizar o assunto se não houver uma Nas tais mensagens que recebemos ou enviámos, a nossa natureza humana procurava, inevitavelmente, respostas. “Mas ele já sofria de uma depressão?”, “Estava com problemas financeiros?”, “O que aconteceu para desistir de um casamento, de cinco filhos e de uma casa de sonho?”. A sociedade de hoje é cada vez mais impaciente. Especialmente em 2020, queremos respostas hoje e agora. Por isso mesmo é-nos difícil compreender que um acontecimento inesperado não tenha uma causa concreta e confirmada. Mas o suicídio é demasiado sério, demasiado comum e demasiado complexo para ter uma única explicação. Por isso mesmo é tão urgente que nos foquemos em preveni-lo, bastando para isso estarmos verdadeiramente atentos, a nós e aos que nos são próximos. Recordamos que um dos três pilares da ManifestaMente é FALAR sobre saúde mental. Agradecendo a todos aqueles que já acompanham e valorizam o nosso trabalho, apelamos agora a todos que partilhem connosco esta missão e levem a mensagem certa a quem dela precisa. Recomendamos também:
Juntos pela Saúde Mental de Todos Nós, ManifestaMente, Débora Miranda Estás a pensar fazer mal a ti próprio? Comments are closed.
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Novembro 2024
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