Como assim não é possível controlar este sentimento de inutilidade e desesperança que sinto, todos os dias, a toda a hora? Como assim não é possível controlar esta vontade, intensa e sombria, que me põe a sorrir por fora e chorar por dentro? E, como assim, não é possível controlar esta tristeza intensa que me pára? Sem controlo sobre esta falta de interesse pelo que me fazia tão feliz, e este “looping” de pensamentos e perguntas, para as quais não tenho resposta? “Estás aqui a fazer o quê?”; “Já não vales nada!”; “Se te fosses embora ninguém daria pela tua falta!”... Para dores de cabeça, um comprimido. Para dores musculares, um comprimido, umas pomadas e/ou uns emplastros. Para olhos irritados, soro fisiológico. Há sempre alguém por perto que se disponibiliza a arranjar um “remédio” imediato para estas dores (físicas!). Contudo, quando a dor é psicológica/emocional, a rapidez com que os outros se disponibilizam a cuidar é, praticamente, irrisória ou inexistente. Porque “Isso passa. Vais ver que não é nada.”, ou nem se atrevem a falar, com medo de exacerbar a dor que o outro está a sentir. Mas, convenhamos, se não dizemos a alguém que tem diabetes que aquilo vai passar, ou a alguém que fez uma entorse que aquilo não é nada, porque agimos deste modo com as doenças psicológicas/emocionais? O suicídio refere-se ao “ato deliberado e intencional, levado a cabo pela pessoa para pôr termo à própria vida”. Aproximadamente, 800 000 pessoas morrem por suicídio todos os anos, o que equivale a uma morte em cada 40 segundos e estima-se que, em Portugal, ocorram 3 suicídios por dia (cf., Plano Nacional Prevenção do Suicídio, 2013-1017). Números como estes devem colocar-nos em alerta. Para além do suicídio constituir um grave problema de saúde pública, a grande maioria das pessoas não querem, de facto, colocar termo à própria vida, mas sim, terminar o sofrimento psicológico/emocional e o desgaste intenso e avassalador que sentem há demasiado tempo. Há quem pense no suicídio numa, ou várias, alturas da vida e muitas das pessoas que o tentam, dizem, ou fazem, algo para que as pessoas à sua volta saibam da sua intenção. Chamadas de atenção? Uma tentativa de alerta? Ou, uma forma de manifestar a ambivalência que se sente ao pensar na morte como a única solução para o sofrimento, mas por outro lado, querer ser ajudado? É difícil desenvolver explicações simples para um comportamento que é provocado pela interação de fatores biológicos, psicossociais e/ou culturais. Mas, sabendo que uma parte dos suicídios poderiam ser evitáveis, e que perguntar sobre possíveis ideias de suicídio não provoca o acto mas, na maioria das vezes, reduz a ansiedade e ajuda as pessoas a sentirem-se compreendidas, acredito que é fundamental assumir a nossa quota-parte no apoio a quem sofre com problemas, aparentemente, invisíveis mas intensamente sentidos. Criar expectativas irrealistas sobre a capacidade de controlar sentimentos de inutilidade, desesperança e “encurralamento”, significa aumentar o sentimento de frustração, que nos diz que somos incapazes de evitar tudo isto. Acredito que a tentativa de controlo não é a solução. Reconhecer que algo está mal, e pedir ajuda, é reconhecer que somos humanos e que os super-homens e as super-mulheres só existem na ficção. Reconhecer as nossas limitações, e pedir apoio, é assumir que todos temos as nossas fragilidades e todos somos humanos. E, nos dias de hoje, reconhecer tudo isto, e pedir auxílio , é de uma sensibilidade e força extraordinárias. E, na atualidade, considerando os pontos de reflexão que o confinamento e a pandemia da COVID-19 nos proporcionaram, saliento o seguinte: 1. não controlamos tudo; 2. o afeto e o carinho são essenciais na relação com o próprio, com o outro e com o mundo. Por isso, sabendo que estamos todos no mesmo barco, e que todos podemos desenvolver problemas de saúde mental, ter ideias de suicídio e/ou querer avançar, deliberadamente, para o ato em momentos que nada parece ter solução, é necessário que façamos todos a nossa parte. Se está em dúvida, pergunte uma segunda vez a alguém se está tudo bem; Em dúvida, procure ignorar o que os outros vão pensar e peça ajuda. Juntos pela Saúde Mental de Todos Nós, ManifestaMente, Ana Margarida Gonçalves. Estás a pensar fazer mal a ti próprio? Fontes: Não há saúde sem saúde mental, Campanha Nacional de Prevenção do Suicídio, contactos e linhas de apoio, contactos e serviços disponíveis Comments are closed.
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Outubro 2024
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