É certo que todos eles existem num contexto histórico-político-económico delicado e complexo, e imagino que para os vários governos mundiais é mais linear mobilizar apoios para um país onde caiem bombas vindas de outro país, do que para um país em guerra civil, onde caiem bombas vindas do prédio ao lado.
Mas nos detalhes do dia-a-dia, para as vidas de tantas famílias parecidas com as nossas, não há muita diferença entre a dor de uma família que de repente se vê obrigada a abandonar a sua casa na Ucrânia, na Siria ou no Iemen, para tentar sobreviver. A enormidade destas situações é esmagadora e deixa-me frequentemente com um sentimento de impotência. E se há muitas disciplinas que que tentam perceber este tipo de violência a nível global - a economia, a política, a História - a área da saúde mental a que nos dedicamos também se interroga sobre a violência a nível individual, sobre o que é que leva um ser humano a agir de forma violenta contra outro ser humano. Vamos para já fazer uma pausa importante para sublinhar alguns factos: 1) a investigação demonstra que as pessoas com doença mental não têm maior risco de serem violentas do que a população em geral, pelo contrário 2) mais frequentemente as pessoas com doença mental são vítimas de violência do que autores de violência e 3) isto não quer dizer que uma pessoa com doença mental não possa ser violenta, mas provavelmente, quando isso acontece, está relacionado com outros fatores, como características da personalidade ou consumo de substâncias/drogas *. Isto dito, gosto de acreditar que, no dia que conseguirmos subir significativamente o nosso nível colectivo de maturidade e literacia sobre como atender às nossas necessidades como seres humanos, como lidarmos com a nossa dor e a dor do outro, como resolver os nossos problemas de forma construtiva e em cooperação, como reconhecer e cuidar das nossas emoções com gentileza sem termos de nos defender de forma violenta da dor que às vezes é inerente à experiência humana… nesse dia, gosto de acreditar, vamos conseguir finalmente criar paz no mundo. É por isso que, quando me sinto esmagada pela minha impotência perante as notícias aflitivas de guerra e violência, respiro fundo, e regresso aos meus microscópicos passos no meu dia-a-dia de trabalho na ManifestaMente. A avalanche de exemplos de pessoas, por exemplo na Polónia, que estão a tirar dias da escola e do trabalho para ir ajudar, também me dá esperança. Há muitas centenas de anos atrás, quando a maioria de nós, humanidade, éramos insignificantes membros do povo obrigados a uma vida de semi-escravatura nas terras de um qualquer tirânico senhor feudal, assistir a situações de injustiça era o pão-nosso-de-cada-dia e tomar uma posição era tão arriscado que se tornava impensável na maioria dos casos. Hoje em dia podemos dizer aos nossos ‘senhores feudais’ que vamos deixar o trabalho durante uns dias para ir ali ao lado ajudar naquela coisa horrível que está a acontecer aos nossos vizinhos Gosto de acordar todos os dias com fé que a nossa humanidade está quase a atingir uma massa crítica de pessoas com coração aberto e empático, prestes prestes a fazer uma viragem para começarmos todos a viver de forma parecida à visão com que sonhamos no nosso Manifesto pela Saúde Mental: “Vivemos numa sociedade em que cuidamos melhor uns dos outros quando estamos a sofrer e nos incentivamos a melhorar a nossa saúde mental mesmo quando nos sentimos bem. Compreendemos melhor o que é saúde e doença mental enquanto sociedade e sabemos que um diagnóstico não é uma sentença de infelicidade. Sabemos responder com empatia em vez de reagir com medo e julgamentos. Mobilizamo-nos em conjunto para rentabilizar o conhecimento e criatividade de todos, e construímos soluções alternativas e eficazes para dar resposta às nossas necessidades em termos de saúde mental. Construímos juntos uma sociedade em que nos sentimos melhor, temos um vida produtiva e participamos na resolução dos problemas que assolam a Humanidade.” Para quem precisa de mais factos do que fé para ter esperança no mundo, também temos factos nesta TED do Hans Rosling. Juntos pela Saúde Mental de Todos Nós, ManifestaMente, Ana Mina *Lourenço, Beatriz; Vieira, Fernando - Da Avaliação do Risco de Violência à Prognose Jurídica da Perigosidade (2017). In Fernando Vieira et al (Coord) Manual de Psiquiatria Forense. Lisboa, 2017. Pactor - Edicções de Ciências Sociais,Forenses e da Educação. ISBN: 978-989-693-065-3 Comments are closed.
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Outubro 2024
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